Não há instância da nossa vida em que o domínio da língua não seja importante. Dar erros de português provoca doenças? Não. Mas além de, a mim, nalguns casos, provocar ligeiros enfartes do miocárdio (figurados), pode prejudicar-nos no trabalho e na vida pessoal. Atire a primeira pedra quem nunca descartou à primeira conversa aquele jeitosão porque ele diz hádes.
É preciso ver que nem toda a gente chicoteia a língua portuguesa por desprezo puro. Nem todos têm as mesmas oportunidades de formação. E para além disso os calinas das aulas de português do passado, podem arrepender-se no presente. Mais além ainda, há pessoas que geralmente falam e escrevem sem erros, mas continuam a dar alguns por desconhecimento ou desatenção e querem aumentar o seu vocabulário. Eu, por exemplo, tenho uma deficiência grave ao nível do uso de vírgulas e tenho de pensar sempre dez vezes antes de escrever carrocel ou expectativas (e outras onde confundo o uso do o e do u).
Como fazê-lo então? Se o tempo de escola já foi (ou nem foi)?
A solução está numa palavra tão curta, que não há como errar ao escrevê-la: LER!
Ler algo, ler mais, ler melhor.
Encontrar o(s) género(s) em que nos sentimos confortáveis – nem que sejam romances de cordel – e aprender durante um momento de lazer, muito naturalmente. Aos poucos, vamos melhorar, mesmo sem a perceção palpável disso. E não quero ouvir ninguém dizer que não gosta de ler. Sobre isso já vos falei.
De resto, podem ler o que quiserem, quando quiserem (toda a gente consegue ler uma página e meia que seja antes de fechar os olhos ou à hora de almoço), em papel ou num ecrã, emprestado, vosso, pela web. Tenham uma mínima atenção à fonte: ler determinadas editoras que não reveem as obras que publicam pode resultar mal e muito do que se vê na net (incluindo blogs) está bem escrito como eu bem danço (nada). Na dúvida, sigam sugestões e referências de pessoas em cujo gosto e nível de português confiam. Ou, se quiserem, posso fazer um próximo post sobre isso.
Eu gosto muito de ler e gosto muito de partilhar os livros que leio. Cada livro é uma viagem que merece ser feita por mais de uma pessoa. Não gosto que os livros morram nas estantes (mania minha) e quanto mais gosto do livro, mais acho que merecem novas vidas (novos olhos, novas mãos). Por isso não tenho pudor nenhum em emprestá-los. Riscar o "nenhum". Não tenho pudor em emprestá-los seguindo algumas regras preciosas:
1. Despir o livro. Que é como quem diz, por educação (e recato) retirem marcadores que não pertencem ao livro (e faturas que serviam de marcador) ou qualquer outra coisa que tenham deixado no meio enquanto o liam (o passe?). Uma vez peguei num livro meu e encontrei uma nota. Foi uma sensação boa, mas fiquei feliz por não o ter emprestado antes de volta a pegar nele...
2. A pessoa certa. Não é física quântica nem um exercício para encontrar uma alma gémea, é fácil encontrar pessoas adequadas a quem emprestar os livros e não tem nada a ver com a sua rapidez de leitura. Tem a ver com a regularidade com que vêem essa pessoa. Se a vêem frequentemente ou se conhecem minimamente, força. Se é aquela pessoa que adora ler, mas mora em Travincos e não sabem se mais alguma vez a vêem, pensem duas vezes. Claro que também convém que tratem bem dos bens alheios e que o devolvam com moderada rapidez, mas isso acaba por ser secundário face à possibilidade de nunca mais verem o livro.
3. Apontar Não é por não confiarem na pessoa a quem emprestaram o livro, é mesmo por não confiarem na vossa memória. E às tantas andam a revirar a casa para emprestar o livro X a alguém e já o tem emprestado a outra pessoa só que não se lembram. Ou lembram-se, mas não sabem quem é. E às tantas até a pessoa que tem o livro já não se lembra de quem lho emprestou. Por caridade, abram uma folha de Excel e apontem os livros emprestados - aos outros e a vocês (com data).
4. Adeus à vergonha Não faz mal pedir o vosso livro de volta. A outra pessoa sabia que não era uma oferta e sim um empréstimo. E se precisam dele ou o querem de volta por já ter passado muito tempo, não faz mal nenhum que o peçam. Garanto que se passaram três anos (e sabem porque apontaram certo? nada de confiar na memória) a outra pessoa já não o vai ler. E às tantas até fica aliviada.
5. À troca!
A não ser que tenham mil na estante por ler (ou mesmo que tenham) é sempre bom pedir um livro à troca que a outra pessoa tenha gostado. Exploram novos horizontes - ou quem sabe até é aquele livro que vos despertava curiosidade há muito. Se isto não vos convencer pensem que é uma forma de pressão e podem fazer uma chamada de chantagem mais tarde: Se quer ver o seu livro com vida, deixe o meu debaixo da ponte amanhã à meia noite em ponto. Caso contrário devolvo-o página por página por correio ao longo dos próximos meses...
Há uns anos atrás, todos os alunos que tinham dificuldades na escola eram intitulados como 'burros' ou como 'preguiçosos' para estudar. Finalmente, com o desenvolvimento da sociedade estes dois adjectivos começaram a ser eliminados gradualmente, apesar de ainda haver muitas pessoas que não entendem que se a criança tem dificuldades em aprender é porque poderá ter algumas bases irregulares do seu desenvolvimento. Como uma casa, primeiro precisamos de fazer as paredes para conseguirmos fazer o telhado, no desenvolvimento da criança é também necessário ela ter determinadas competências para conseguir aprender coisas na escola, nomeadamente, a escrever e a ler. Uma das mais importantes bases para uma boa aprendizagem das competências de leitura e escrita é a consciência fonológica.
A consciência fonológica é aquilo que nos permite conhecer e manipular os sons da nossa língua, por exemplo: dividir uma frase em palavras, dividir as palavras em sílabas, reconhecer os sons presentes em cada palavra, identificar por que som começa uma determinada palavra e até conseguir distinguir sons em palavras muito semelhantes (por exemplo: bata e pata). Esta é uma das bases para a aprendizagem da leitura e escrita.
Ao fim de alguns meses de vida (2 meses) uma criança com o desenvolvimento normal já sabe quais são os sons da sua língua materna e os que não são, no entanto até aos 5 anos a criança já deve ser capaz de fazer jogos de rimas, dividir as palavras em sílabas, assim como dividir frases em palavras. Aos 6 anos, já deve conseguir manipular os sons e identificar sons semelhantes em palavras.
É quando este desenvolvimento normal não ocorre que começam a aparecer as primeiras dificuldades no primeiro ano de escolaridade, até lá a criança não foi devidamente estimulada de forma lúdica ou poderá ter perdido alguma etapa do seu desenvolvimento normal. Normalmente, quando os pais me vêm com queixas como 'O meu filho a escrever confunde sempre o /p/ pelo /b/', ou 'Ele fala muito bem, mas lê por sílabas e dá muitos erros a escrever', vejo imediatamente uma Perturbação Fonológica, que muitas vezes está associada a outras problemáticas.
Normalmente explico que a Perturbação Fonológica é como se os sons estivessem desorganizados na cabeça, que cada um tem a sua gaveta, mas que no meio de tantos alguns se perderam e foram parar ao local errado e que simplesmente é necessário voltar a reorganizá-los para depois aparecerem correctamente enquanto lemos ou escrevemos. Hoje, já com alguma prática nesta matéria, apercebo-me que muitos dos meus amigos de escola que reprovaram e que tinham problemas escolares, poderiam no fundo ter este tipo de perturbação e que se tivesse sido diagnosticado e tratado, talvez hoje tivessem mais sucesso na vida.
Não há crianças burras, como nos faziam crer antigamente, há crianças com problemas de aprendizagem e simplesmente é necessário identificá-los atempadamente. O tratamento pode ou não ser mais prolongado, mas terá sempre um grande impacto no processo de aprendizagem da leitura e escrita.
Por isso, se o seu filho tem alguns problemas de leitura e escrita o ideal é ir fazer uma avaliação ao Terapeuta da Fala, pode ser algo tão simples como uma Perturbação Fonológica.