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Aprender uma coisa nova por dia

Nem sabe o bem que lhe fazia

republicação: depressão

não creio que haja muita gente, nos dias que correm, a achar que a depressão é coisa de meninos, gente sem nada para fazer ou pessoas que não batem bem da cabecinha. no entanto, também não acreditava que houvesse alguém a dizer que o sol anda à volta da terra e eis que me surpreendo com tamanhas alarvidades pelo que, enfim, nunca é demais esclarecer.

este post não vai incidir sobre causas ou tipos de depressão (era coisa para vários capítulos) mas sim, unicamente, sobre como é sentir-se deprimido. e quem vos escreve fala com conhecimento directo de causa.

na verdade, para conseguir esclarecer alguém que nunca passou por uma "cena" destas costumo fazer um exercício simples (não resulta muito bem se estivermos a fazer isto numa noite de copos): consegues lembrar-te mais ou menos da dor que sentiste no pior momento da tua vida? como as entranhas se contorciam, o corpo parecia revoltar-se ao respirar, a dor invadia o espírito? consegues? agora imagina o que é sentir isso durante todo o tempo. todo o dia, todos os meses, até mesmo anos. sem uma pausa. sempre.

isso é estar deprimido.

estar triste é mau mas não comparável sequer com a depressão. dizer-se "ah, está triste, coitado, está deprimido" é uma falácia incrível porque na verdade todos nós já nos sentimos tristes um dia ou outro e ultrapassamos. acreditarmos que isso é a depressão faz com que levemos menos a sério os doentes, achando-os dramáticos sem motivo. é que normalmente, quando as pessoas estão tristes mantêm ainda o respeito por si próprias, sentem-se melhor depois de chorar, tendem a confiar nos outros para os seus desabafos. e isso ajuda. já quando estamos deprimidos o respeito por nós mesmos diminui, fartamo-nos de chorar mas a dor só aumenta e sentimo-nos num mundo à parte, e.ts de outra galáxia porque ninguém parece compreender a nossa dor por mais que expliquemos. eventualmente acabamos por desistir.

estar deprimido é como cair num buraco negro vazio. e quando a depressão vai aparecendo lentamente, sem uma razão óbvia para o mundo, este sentimento de cair pode ser tão lento que parece que estamos a ver isso acontecer, como uma aranha na banheira a ser empurrada para o ralo pela água, tudo fugindo ao nosso controlo.

no inicio é normal debatermo-nos, não acreditando que realmente as coisas estão a acontecer. voltamos a tentar fazer as coisas que antes faziam sentido, num esforço de controlar os sentimentos. algumas pessoas nem têm força para o fazer deixando-se empurrar para o ralo, juntamente com toda a sujidade e os cabelos.

depois deixamos de nos importar com coisas que antes faziam o nosso mundo. tentamos convencer-nos que são importantes, ainda, mas não são. começamos a achar que o melhor é suicidar-nos e acabar com tudo. torna-se um alivio imaginar dias, horas, maneiras de o fazer, como a única coisa que porá fim áquele sentimento de dor horroroso. sabemos que não podemos fazê-lo porque as pessoas que nos amam não deixam. nessas alturas começamos a desejar ter uma doença qualquer terminal para termos jusitificação para desistir da luta sem pôr em causa o amor pela familia e amigos.

sentimo-nos cansados, apáticos, aborrecidos da vida e tudo é um tormento. os dias de sol ou chuva são iguais a longas horas de angústia e dor. nada nos alegra, nada nos distrai. estamos perdidos dentro de um labirinto de desespero. não conseguimos sentir mais nada que não isso. estamos exaustos, desesperados, impotentes, sozinhos, demasiados cansados para sentir.

é por isso que devemos pensar bem sempre que nos pomos, do alto da nossa ignorância e arrogância a julgar quem se suicida ou quem se tenta suicidar. não temos capacidade de saber o que faríamos na situação da pessoa que o decidiu. achamos que sabemos o que fariamos na alta compreensão de nós mesmos.

mas não sabemos.

não temos como saber. somos demasiado humanos e como tal cheios de falhas, incompreensão e falta de sabedoria para pudermos julgar ou sequer tentar perceber o que leva alguém a acabar com a dor que era a sua vida.

e não. não chamemos deus (assim, com letra minuscula), a religião ou outras coisas bonitas para avançarmos o que a ou b deve fazer. as decisões de cada um são tomadas pelas circuntâncias e vida de cada um. e a depressão é uma circunstância tão grande que pouca gente está habilitada a compreendê-la.

a depressão dói. mata. dilacera. é grave.

sejamos por isso mais compreensivos para quem morre ou sobrevive com ela.

 

fonte: guia elementar depressão, Sue Breton